Um pensamento sobre a terceirização

Boa parte deste texto está em um post meu no Facebook, dentro de um grupo do qual participo. A discussão era relacionada aos possíveis impactos da terceirização para os profissionais e empresas de desenvolvimento de games. No Brasil, boa parte das empresas de games são bem pequenas e o mercado ainda está em desenvolvimento, de forma que é difícil para muitas dessas empresas sobreviver, o que justificaria terceirizar sua força de trabalho ao invés de pagar os pesados encargos trabalhistas por terem de contratar funcionários celetistas.

A terceirização de “atividades meio” já é permitida pela legislação, tanto que existem empresas especializadas em fornecer mão de obra como ascensoristas, vigilantes e profissionais de TI, desde que não seja para empresas que não sejam desses ramos de atividade. Por exemplo: um banco pode terceirizar profissionais de TI que atuem nele, mas não os caixas ou gerentes. No caso de uma empresa de desenvolvimento de games, não seria possível terceirizar um programador ou um artista visual, por exemplo, pois eles atuam na atividade fim da empresa.

A terceirização se dá de mais de uma forma, sendo comum em certas áreas que o profissional seja um “PJ”, ou seja, tenha de abrir uma empresa para poder prestar serviços a quem o contrata. Em outros casos, o profissional é contratado via CLT por uma empresa, que oferece a mão de obra a uma outra. Isso é comum em fornecedores de serviços gerais, como limpeza e vigilância, por exemplo.

O PL 4330/04, de autoria do deputado Sandro Mabel (lembrou das bolachas? não é coincidência), prevê que a terceirização passe a ser possível para todos, independente de atuarem em atividades meio ou atividades fim. Isso significa que os caixas e os gerentes poderão ser terceirizados em bancos, que professores poderão ser terceirizados em escolas e faculdades e assim por diante. Esse projeto de lei vem sendo alvo de muitas discussões e há os seus defensores, assim como os seu detratores.

A primeira vez que eu ouvi falar em CLT x PJ foi em 1993, provavelmente já se falava nisso antes e não apenas em ocupações ligadas à TI. A história é sempre a mesma, as enganações e as frustrações também.

O papo de que se pode receber mais pois o cliente (na verdade o empregador disfarçado em muitos casos) não tem que pagar os encargos trabalhistas é uma grande falácia em muitos casos. Para alguns pode ser uma novidade, mas a exploração do PJ (nesses casos na verdade um empregado que não tem CTPS assinada) existe há bastante tempo e não se pode ser inocente, pois o poder está nas mãos de quem detém o capital, de quem vai te pagar pelo trabalho que desenvolver.

Outra ingenuidade que não pode existir é a de achar que deputados, senadores, a pqp, vão pensar em nós na hora de elaborar uma lei. Os caras pensam é neles mesmos na maior parte do tempo. Nós (e boa parte da população) somos um mal necessário na visão desses caras. Alguém tem que pagar a conta e somos todos nós. Não tem nenhum bonzinho em Brasília ou nas casas legislativas do restante do Brasil.

Que vantagem o “cliente” (na verdade o empregador) teria em te pagar o equivalente ao INSS, 13º, férias, FGTS e vale transporte (estou citando o pacote básico de benefícios da CLT)? Você precisará negociar o seus honorários (na verdade seu salário disfarçado).

O que acaba acontecendo em muitos casos é que se recebe 1000/mês sendo PJ, os mesmos 1000 que receberia sendo CLT (substitua 1000 pelo valor que achar melhor). Aí todo mundo fica contente: o “cliente” que não teve de pagar os encargos trabalhistas, e você vai se achar super independente por não ter uma CTPS assinada, “coisa de velho” ou “não combina com a era digital” como gostam de dizer os avançadinhos.

Só que você, que se acha o espertão, não vai ter férias, 13º, FGTS, terá de recolher o seu INSS se quiser contribuir para a Previdência, vai pagar pelo seu transporte se tiver de trabalhar dentro do “cliente”, não vai ter subsídio para um plano de saúde ou quem sabe um ticket refeição. Você, trabalhador da era do conhecimento, da economia criativa, dos games que são tão cool e não essas coisas de velho, da economia do “brick and mortar”, da era industrial como a CLT, terá de bancar tudo isso.

Pode haver casos em que realmente seja melhor para as duas partes (empregador e empregado ou cliente e prestador de serviços, como queira) uma relação de PJ, desde que não seja um emprego disfarçado. Não vejo que faça sentido CLT para freelancers, por exemplo.

Mas se alguém precisa trabalhar para uma empresa com regularidade de horários, dias da semana, tem chefe, responsabilidades definidas e outras coisas típicas de funcionários, é um funcionário. Pode até não gostar disso, mas é. E aí é exploração manter um funcionário sem colocá-lo na CLT, a não ser que você o pague muito bem e isso compense os encargos que não recolherá.

E não tenham dúvida de que empresários de determinados setores, como a educação por exemplo, já estão se preparando para esse cenário de terceirização. Como sempre, levas e levas de professores serão demitidos nas instituições particulares ao final do semestre e serão recontratados como terceiros, ganhando o mesmo ou menos. Quem vai se beneficiar disso?

Tem quem defenda a possibilidade de terceirizar os funcionários públicos pois, na visão desses, não passam de um bando de sanguessugas improdutivos e que ainda desfrutam de estabilidade. Eu sou funcionário público e onde trabalho não tem ninguém encostado. O que não podemos fazer muitas vezes é decorrência das amarras legais e não da falta de vontade. E me arrisco a dizer que é assim em muitos lugares. Tem os vagabundos? Sim, como há em qualquer lugar. Mas são exceção e não regra.

E aproveito para perguntar: onde está o real problema do Brasil, na terceirização? O pessoal está perdendo o foco. Olhem para Brasília, para as casas legislativas de estados e municípios, para os palácios do governo nos estados. Boa parte dos nossos problemas vem desses lugares. E com esse pessoal, vai acontecer o quê?